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Novo filme de Jorge Furtado
Published on January 8, 2005 By Alex Sladevicz In Movie Reviews
"Meu Tio Matou Um Cara" é o terceiro longa-metragem do gaúcho Jorge Furtado. O roteiro, do próprio Furtado em parceria com Guel Arraes, é uma adaptação do conto homônimo que abre o primeiro livro do cineasta gaúcho lançado em 2002 pela L&PM Editora.
Neste segundo parágrafo, o comum seria escrever que "o filme conta a história...", mas quem conta a história é Duca -- Darlan Cunha, mais conhecido por Laranjinha --, um adolescente gaúcho que fica sabendo que seu tio, Eder -- Lázaro Ramos, aquele negão simpático que atuou em "Carandiru" e "Madame Satã", entre outros --, matou um cara.
- Foi de carro? - todos perguntam.
- Não, foi um acidente - garante o tio.

O tal acidente foi uma briga entre Eder e o ex-marido de uma namorada. (A namorada é Deborah Secco -- acho que não preciso dizer quem ela é --, aqui em seu habitat natural, representando ela mesma, ou seja, uma safada.)
Na briga, O tio de Laranjinha, digo, Duca, tira a arma das mãos do ex-marido ciumento e perpetra, ele mesmo -- sem querer, garante --, um tiro no adversário. Um tiro fatal.
O tiozinho acaba preso e então somos apresentados ao mundo de Duca, um garoto negro de bom nível econômico. Duca é apaixonado por Isa -- Sophia Reis, filha do Nando, quinze aninhos de pura meiguice, metade dos quais devotados a aulas de teatro --, que por sua vez é apaixonada por Kid -- Renan Gioelli, o Luiz Roberto de "Bens Confiscados", longa de Carlos Reichenbach --, que é o melhor amigo de Duca.

Os adolescentes formarão, além do inevitável triângulo amoroso, uma equipe para investigar melhor o crime; o tio matou um cara, diz ter sido legítima defesa, mas o depoimento tem tantas brechas que acaba preso.
Todo rodado em Porto Alegre em prazos videoclípicos (seis meses), a película é uma realização conjunta da Natasha, da (agora ex-) caetânica Paula Lavigne, e da Casa de Cinema de Porto Alegre. Com o sucesso de "Lisbela e o Prisioneiro", produção da Natasha para a Fox Films, esta última teria pedido um novo filme à empresa de Paula Lavigne. Caetano Veloso, que lera o livro, sugeriu a história e o nome de Furtado, prontamente aceitos.

Se não é exatamente um primor técnico -- é um pouco escuro, não usa efeitos especiais etc. --, "Meu Tio Matou um Cara" merece elogios pelo estilo de narração em off do personagem de Darlan Cunha -- talvez um cacoete das séries de tevê, uma das especialidades de Jorge Furtado--, e pela brilhante interpretação de alguns atores.
O cara da Folha de São Paulo elogiou largamente Darlan, colocando-o como a vedete do filme. O Duca criado por ele é um adolescente apático e indiferente, capaz de formular perguntas bastante específicas sobre situações hipotéticas, mas incapaz de relatar aos amigos a roupa que certa mulher usava ou quem é a tal namorada do tio. Bem diferente da capacidade do garoto em enxergar detalhes em uma cena ou furos em "histórias" contadas por outros. Talvez para se desvincular de Laranjinha, Darlan tenha exagerado na dose. Lázaro Ramos, este sim, parece mais que à vontade no papel do tio-figura-que-sempre-se-mete-em-roubada. Sua interpretação provavelmente não lhe renderá um Oscar, mas é mais um item positivo em sua ainda breve, porém já brilhante, carreira. Ter dado uns beijos na Deborah Secco, ainda que artísticos, já deve ter lhe servido como prêmio.

Alguns dos cacoetes são de certa forma o que une e separa o filme das séries televisivas, principalmente as globais. Nenhum merchandising é, desculpem o trocadilho, gratuito: se bebem uma Brahma enquanto Soraya xaveca o garoto ou quando há confraternização familiar na casa de Duca, ou se a molecada usa o Portal Terra para consultas meteorológicas, para contratar detetives, pesquisar filmes ou mesmo chamar os amigos pelo Terra Messenger -- "v6 viram o Kid hj?" vai levar ao delírio muito jovem blogólatra --, é porque houve o tal apoio cultural de várias empreras. O próprio site oficial do filme está hospedado no Terra, por exemplo.
"Meu Tio Matou Um Cara" foi o filme de maior orçamento da carreira de Jorge Furtado: R$ 6 milhões. A repetição de cenas, seja trocando o ator na hora de pegar um doce no baleiro, na pergunta sobre o crime ou quando o ator confunde mais uma vez o nome da menina, artifício muito usado pela Globo naquelas séries brasileiras apresentadas pós-novela das nove, aqui servem para dar ritmo ao filme. O mesmo acontece com o uso de metalinguagem de hyperlinks: Duca recorta cenas, coloca-as lado a lado e as compara, como se o cérebro fosse um computador ou um site da internet.

"Meu Tio Matou Um Cara", até pela idade média dos atores, é uma matinê sossegada e divertida. Um filme sobre assassinato que até as crianças podem gostar. Muita gente torce o nariz para filme nacional, outros por sua vez endeusam desnecessariamente qualquer filmagem feita em português. O terceiro filme de Jorge Furtado pode não ganhar um prêmio sequer, pode também não ser o argumento necessário para calar delatores do cinema brasileiro. Mas, lançado em circuito nacional no dia 31 de dezembro de 2004, é certamente o melhor final de ano que o cinema nacional já teve.


Trilha Sonora
Eu confesso que fui ao cinema pronto para descer a lenha na trilha sonora de Caetano Veloso, mas sou obrigado a dar o braço a torcer: ficou quase-maravilhosa. Estava maravilhosa até que Caetano aparece cantando "(Nothing but) Flowers", cover do Talking Heads presente em seu disco em inglês, e "Pra te Lembrar", versão de um sucesso do gaúcho Nei Lisboa. De resto, muito boa: só de ver uma festa teen em que não rola nu-metal já é um alento. "Se Essa Rua", dueto Rappin' Hood e Luciana Mello, na cena em que o quase-casal Duca-Isa atravessa a cidade dentro de um busa, foi uma das boas sacadas.


Jorge Furtado
É gaúcho, tem 45 anos e trabalha há pelo menos vinte com telinha e telona, além de ser escritor - de livros e de roteiros para tevê e cinema. Fundou, em 1988, a Casa de Cinema, junto com outros dez sócios. No mesmo ano, junto de Ana Luiza Azevedo, lança "Barbosa", estrelado por Antônio Fagundes. O curtíssima-metragem conta a história de um homem que viaja no tempo e tenta impedir que o Brasil perca a Copa do Mundo de 1950, no Maracanã -- Barbosa era o goleiro do escrete brasileiro.

"Ilha das Flores", seu premiadíssimo curta-metragem de 1989, é basicamente a biografia de um tomate narrada pelo próprio -- o tomate. A carreira começou de fato na TV Educativa do Rio Grande do Sul, que o fez largar o curso de medicina. Após se engajar em campanhas políticas, sempre para o PT e sempre por ideologia, e de escrever e dirigir séries e especiais para a tevê -- como "A Comédia da Vida Privada", "Dóris para Maiores" e "Luna Caliente" --, veio, em 2002, o primeiro longa: "Houve Uma Vez Dois Verões", ao que se seguiu "O Homem que Copiava", uma produção que levou mais de sete anos para ficar pronta. Seu primeiro livro, homônimo ao filme que acaba de estrear, é uma coletânea de doze contos dos mais variados gêneros.

O cinema de Furtado é um prolongamento de toda a sua obra e tem como principal objetivo o entretenimento do apreciador. Prefere comédias, gênero dos três longas, que acredita ser a preferência nacional dos brasileiros. As artimanhas da tevê usadas no cinema são um trampolim para novos recursos, que futuramente serão usados na telinha.
A contrário de muitos de seus conterrâneos, Furtado tem um estilo universal e não se engaja no papel de caudilho.
Talvez por isso tenha tanto sucesso.
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