Descrição do Blog
Show de Bill Murray e uma trilha-sonora matadora
Published on February 6, 2004 By Alex Sladevicz In Movies & TV & Books
Lá vamos nós de novo comentar um filme sem querer parecer crítico de cinema, afinal isso eu não sou mesmo. Um crítico, em geral, analisa se o filme é bom pelos aspectos técnicos -- atuação do elenco, diretor, enredo, fotografia etc --, originalidade e o escambau. De novo, não sou crítico, sou fã.

E, como fã, tomei o caminho inverso ao da roça e fui ver "Encontros E Desencontros", impulsionado por alguns fatores: tem o Bill Murray no filme; a cena final tem Jesus & Mary de background; a curiosidade em saber se a Johansson é tudo isso mesmo e, finalmente, resenha favorável do Luscious Ribeiro e desfavorável do Rubens Ewald. Eu tava achando que, assim como aconteceu quando fui ver "Um Grande Garoto" e "Alta Fidelidade", o cinema estaria vazio e, ali mais ou menos do meio pro fim, as pessoas iriam começar a picar a mula da sala. Motivos não faltavam. Música alternativa na trilha, um ator que não é a atual aposta de Hollywood, fita rodada em Tóquio.

(Mais uma curiosidade: liguei o SoulSeek pra baixar a trilha e, por curiosidade, procurei por "Just like Honey". Tava lá, "Lost in Translation OST - Just like Honey", In Queue: 1020!!)

Well... nas outras vezes, fui durante a semana. Desta, era um domingão de sol, um shopping maior, filme da Sofia Coppola. Não digo que estava lotado -- atualmente, cinema aos domingos só não é mais caro que futebol --, mas não foi possível ocupar o meu espaço tradicional. Sentei-me mais abaixo do que o habitual. O problema de ficar mais abaixo, e conseqüentemente mais próximo à telona, é fica acompanhando as cenas com o pescoço - e não com um simples deslocar de olhos.

O filme começa com uma bunda. Scarlett Johansson, a Charlotte do filme, está deitada, de calcinha e suéter, na cama. Numa outra cena logo a seguir, Bill Murray, de agora em diante Bob Harris, chega a Tóquio. Até aqui, o fã já foi exposto a "City Girl", aventura solo de Kevin Shields do My Bloody Valentine -- que aliás assinou a trilha do filme -- e "Girl", faixa dois do mais recente disco do Death In Vegas.
Que Bob Harris está em Tóquio pra gravar comerciais, televisivos e impressos, de uísque, e que Charlotte acompanha seu marido fotógrafo, você já leu em outros lugares. Sem maiores palavras sobre isso, então.

O título original, "Lost in Translation", refere-se à dificuldade que ocidentais têm com a mania dos japoneses de sempre falar no idioma nativo, sem levar em consideração que o interlocutor talvez não o entenda. Seja o diretor, seja o fotógrafo, seja o balconista do hospital ou o garçom, a comunicação interracial, ou a falta de, acaba rendendo momentos pra lá de cômicos.

Eu achei estranho insistirem que os nascidos na terra do saquê trocam o r pelo l, quando de fato acontece o contrário -- idol, por exemplo, vira aidoru. E, falando em saquê, uma dose da bebida aperesenta os dois protagonistas. Bob, que sente dificuldade em dormir e se sente meio lost -- desculpem --, passa as noites no bar do hotel sorvendo copos de uísque que fariam o colega de mesa certa vez descrito por Sérgio Cabral passar por abstêmio. Sempre com a mão segurando ao mesmo tempo um charuto e a própria face, o ator cinqüentão se afoga no blend com uma amargura visível.

Isso chama a atenção de Charlotte, cansada de vagabundear pelos pontos exóticos, digo, turísticos, da capital nipônica - como o marido sai pra fotografar, ela acaba sobrando durante todo o dia. Mesmo quando está acompanhada do marido acaba sentindo-se sozinha, uma vez que John é um daqueles babacas que se acha hype por andar rodeado de gente idiota. Eu sinceramente fiquei na dúvida se Giovanni Ribisi, o tal John, fez um péssimo ou um excepcional trabalho: seu personagem parece um perfeito imbecil que preenche cada frase com um "you know" e uma risada. Dizem que Sofia Coppola retrata seu ex-marido, Spike Jonze, neste personagem. Como o divórcio ainda está em curso, percebe-se aqui a tradicional sede feminina de vingança.

Voltando a falar de Charlotte, fica evidente o deslocamento da filósofa recém-formada quando John encontra Kelly, uma atriz no auge da carreira divulgando seu mais recente filme -- interpretada por Anna Faris, da 'série' "Todo Mundo Em Pânico", aqui incrivelmente loira --, e ficam naquele papo "suuuuper-tipoassim".
Numa dessas noites de mesa de bar de hotel, enquanto o maridão John emenda um "you know" entre uma risada e outra, Charlotte avista Bob sozinho no balcão, lhe manda o saquê, e as coisas começam.

Não vou contar o resto do filme, mas todo mundo já sabe que os dois, Bob e Charlotte, começam uma amizade mais ou menos colorida numa vacilada de John - ele viaja uns dias pra fotografar uma banda de rock. A dupla principal, igualmente perdida e só na grande capital japonesa, começa a passar um tempo em comum, seja saindo, vendo filme juntinho no quarto ou se revezando na piscina coberta.

Na segunda cena mais legal do filme, Bob Harris, anunciado por Charlotte, manda brasa no karaokê, cantando uma versão inacreditável de "More than This", clássico do Roxy Music, com a maior pose de crooner.
A cena mais legal é a final, em que toca "Just like Honey" e exatamente na parte "listen to the girl, as she takes on half the world" Charlotte nos dá as costas e sai andando pelas superlotadas ruas de Tóquio.

As grandes sacadas de "Lost in" são duas:
1) reabilita Bill Murray, uma espécie de Otávio Augusto americano. Ator dos melhores, Murray em geral só é reconhecido como comediante. Pois uma das melhores atuações dele foi "O Fio da Navalha", adaptação do livro homônimo de William Sommerset Maughan. O Charlie de Murray foi tão convincente que eu até fui ler o livro;
2) desnuda um dos temas mais traumáticos para o ser humano, que é estar em um lugar completamente estranho, passar um tempo e precisar ir embora logo quando se está ficando habituado. É algo a que a pessoa se conforma, mas nunca se acostuma. A hora de ir embora é sempre traumática de alguma forma.

Tax, o André Takeda, autor de "Clube dos Corações Solitários", confessou no respectivo blog que gostaria de ter escrito a história de "Lost In". Faz sentido. Músicas pop, as agruras que rondam todo e qualquer relacionamento humano, aviões, blazers e paisagens. Era só trocar o Bill Murray por um japa, e uísque por capuccino, e teríamos uma típica aventura que Tax publicava no extinto txtmagazine.

PS: há um motivo que justifica toda a fila pra baixar a versão de "Just like Honey" da trilha do filme. Com doze minutos, traz escondida no finalzinho a versão de Bill Murray pra "More than This".
Comments
No one has commented on this article. Be the first!